Há quem diga que cada momento em nossas vidas é marcado por alguma música, como se quando escutada fosse possível sentir o gosto – ou ter a sensação de reviver esses instantes que estão ligados a canção. Porém, eu prefiro a opção de ter um versículo que marcam esses tempos – até mesmo aqueles que nós não nos lembramos – que maram onde está minha confiança.
Eu nasci no Hospital Ferroviário de Vila Velha – ES, no vigésimo nono dia do mês sete de 97. Minha mãe estava dando à luz a um menino cabeludo que, pelo tom arroxeado de pele, nasceu sem chorar. Era possível que alguma providência pudesse ter sido tomada, já que minha mãe havia informado que eu estaria daquela forma – devido a um sonho que teve sobre o parto, no qual eu nasceria com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Assim, foi exatamente como aconteceu.
Continuamente, quando mais velho passei a fazer planos de estudos bíblicos ao longo dos anos. Em uma dessas leitura acabei me deparando com um salmo de Davi que fez muito sentido para aquele meu primeiro suspiro de vida – ou pelo menos a falta dele, mesmo que embora eu não lembrasse, havia vivido.
Pois tu és a minha esperança, Senhor Deus; tu és a minha confiança desde a minha mocidade. Por ti tenho sido sustentado desde o ventre; tu és aquele que me tiraste do ventre de minha mãe; o meu louvor será para ti constantemente.
Salmo 71:5-6
O que tem me chamado a atenção é que em alguns momentos ao longo dos anos, algumas pessoas que eu não conhecia, me perguntaram se em meu parto houve alguma complicação. Não acredito que essa seja uma pergunta típica, daquelas que fazemos como o peso, altura e local de nascimento. O que quero dizer é que Deus nos lembra de quem Ele é e o que Ele fez por nós, em diversos momentos em nossas vidas.
É perceptível o fato de que Deus nunca foi um ser impessoal. Toda a natureza aponta para seu criador e para as coisas que Ele fez. Segundo o livro de gênesis, era comum ouvir a voz e os passos de Deus passeando pelo jardim. Os animais se reuniam para ouvir sua voz, e até mesmo hoje, ao entardecer, ouvimos os pássaros cantarem nesse mesmo horário. Tive a experiência de observar isso quando voltava do trabalho pela praia durante mais de um ano. Dia após dia os pássaros continuam cantando.
Muitas das características que possuímos se dão em virtude de onde nascemos, dos amigos que fizemos e cultivamos, da escola que estudamos, da área que trabalhamos. Por conta disso, nosso grau de percepção ao que acontece em nosso redor pode ser como um sentido bem treinado, ou até mesmo estar adormecido. Esse fator se aplica a nossa forma de caminhar – ou melhor dizendo, como levamos nossa vida. E a forma que levamos nossa vida está ligada diretamente em como a enxergamos. Será que estamos utilizando a ótica correta?
Para prosseguir é necessário contextualizar uma das sete história das Crônicas de Nárnia – C.S. Lewis.
No quinto livro, O Cavalo e Seu Menino – Shasta é o menino que acredita que Arsheesh é seu pai até que o escuta negociando para vendê-lo como escravo a um nobre calormano. Ele descobre que Arsheesh o encontrou ainda bebê em um barco a remo na praia. Shasta vai para o estábulo e começa a falar com o cavalo do Tarkaan lá. Para sua surpresa, o cavalo responde, avisando que seu novo mestre é cruel e sugerindo que eles escapem juntos para Nárnia, uma terra de liberdade onde quase todos os animais falam.
Na fuga o menino conhece uma menina chamada Aravis que também estava em fuga. E em meio a diversas situações de quase morte, ele encontra uma coisa:
- Você não é... não é uma coisa morta... é? Vá embora, por favor. Nunca lhe fiz mal. Veja, sou o sujeito mais desgraçado do mundo! Disse Shasta. Sentiu novamente o hálito quente da coisa no rosto e na mão. - Morto não respira assim. Pode me contar as suas tristezas, rapaz. O hálito deu a Shasta um pouco mais de confiança. Contou então que jamais conhecera pai e mãe, que fora criado por um pescador muito severo. Contou sobre como fugira, sobre os leões que os perseguiram, os perigos em Tashbaan, a noite entre os túmulos, as feras que uivavam no deserto, o calor e a sede durante a caminhada, e o outro leão que surgiu quando estavam quase chegando, Aravis ferida... Contou, por fim, que estava com fome, pois não comia nada havia muito tempo. - Não acho que seja um desgraçado - disse a grande voz. - Mas não foi falta de sorte ter encontrado tantos leões? - Só há um leão - respondeu a voz. - Não estou entendendo nada. Havia pelo menos dois naquela noite... - Só há um leão, mas tem o pé ligeiro. - Como sabe disso? - Eu sou o leão. Shasta escancarou a boca e não disse nada. A voz continuou: - Fui eu o leão que o forçou a encontrar-se com Aravis. Fui eu o gato que o consolou na casa dos mortos. Fui eu o leão que espantou os chacais para que você dormisse. Fui eu o leão que assustou os cavalos a fim de que chegassem a tempo de avisar o rei Luna. E fui eu o leão que empurrou para a praia a canoa em que você dormia, uma criança quase morta, para que um homem, acordado à meia-noite, o acolhesse. - Então foi você que machucou Aravis? - Fui eu. - Mas por quê?! - Filho! Estou contando a sua história, não a dela. A cada um eu conto a história que lhe pertence. - Quem é você? - Eu mesmo - respondeu a voz, com uma entonação tão profunda que a terra estremeceu. E de novo: - Eu mesmo - com um murmúrio tão suave que mal se podia perceber, e parecia, no entanto, que esse murmúrio agitava toda a folhagem à volta.
Perceba que Aslam – o leão que representa a imagem de Jesus em todos os livros de Nárnia – esclarece o que foi falado alguns parágrafos acima sobre a forma em que levamos e enxergamos nossa vida. Ele cuidou de Shasta em cada momento em sua jornada, até quando o menino nem percebia o cuidado. E quando perguntado sobre a motivação dele ter machucado sua amiga, ele é claro dizendo que para cada um está contando sua própria história. Ao colocar Shasta em seu lugar, o leão o manda focar no que ele tem feito pelo garoto.
Novamente olhando para a natureza é possível observar nos lírios, que sem trabalharem, se vestem melhor até mesmo que nós. Jesus diz que nem mesmo Salomão se vestia tão bem – não posso afirmar pois nunca conheci o rei. Se Deus cuida das flores dos campos o que dizer ao que Ele tem feito por nós – obra prima de sua criação. Quando achamos que estamos na pior, que estamos sem sorte precisamos realinhar nossa visão à visão Dele. Onde está a sua confiança? A minha está em Cristo. E eu devo lembrar isso a mim mesmo todos os dias.
Um comentário a “Onde está minha confiança?”
Nossa vida. Nossos aprendizados. Cada dia mais construindo juntos essa jornada.