Coração de Cavaleiro não é um filme baseado em fatos reais e tampouco está interessado em ser cuidadoso em suas citações históricas. A Idade Média é o pano de fundo ideal para um conto que mistura Queens com o personagem do próprio autor do conto que inspirou o filme (Geoffrey Chaucer – Contos de Cantuária, que começou a ser escrita em 1387).
O heroísmo de um personagem vai além da jornada predefinida por Joseph Campbell, ele tange uma característica que une todos os heróis e os difere de um personagem comum. Há Lukes Skywalkers e Rockys Balboas, mas também há Williams Thatchers (protagonista de Coração de Cavaleiro).
Existe uma característica em comum entre os três além de serem homens, brancos e héteros. Há nobreza em seu sangue. Não o tipo de nobreza que você tem graças ao sobrenome da sua família, e sim de caráter. Essa distinta e perseverante característica se torna independente de tudo que envolve o personagem e sua história.
E que bom, afinal foi esse desprendimento que fez William Thatcher querer mudar suas estrelas: de escudeiro a cavaleiro, de camponês a nobre. Entende-se mudar suas estrelas por correr atrás do que queimava em seu coração desde menino. William toma o lugar do cavaleiro para quem trabalhava, Ulrich von Lichtenstein, depois de sua morte começa a sua aventura em uma identidade de mentira.
Entretanto, mesmo em uma vida de mentira, há empecilhos verdadeiros e batalhas perdidas no meio do caminho. William teve que enfrentar adversários mais fortes e mais preparados que ele e acabou perdendo, afinal ele não era uma Rey de Star Wars. É normal que nessa jornada depararmos com adversários que conseguem ser mais fortes, e todo farsante algum dia encontrará alguém mais esperto (embora William, apesar da identidade falsa, em momento algum agiu de má-fé). A derrota está enraizada na trajetória de um herói. O que torna um herói de fato herói é o que ele faz com essas dificuldades.
Um dos pontos altos de Coração de Cavaleiro é quando ele enfrenta um príncipe, sucessor ao trono da Inglaterra. Ao contrário dos outros, que desistiram — afinal, a pena de matar ou ferir uma figura tão importante provavelmente seria pagando com sua própria vida — nosso Thatcher subiu em seu cavalo pegou sua lança e o enfrentou.
Peço licença a Jack Pearson, mas Dr. K. estava correto ao dizer que não há limão tão azedo que você não possa transformar em algo parecido com limonada. Se você consegue fazer isso, não há obstáculo que não possa ser vencido, mesmo os mais difíceis. E não há maneira melhor de tomar um suco de limão azedo do que com as pessoas certas por perto. Pessoas que estarão ali com você quando as coisas não estiverem legais, pessoas que te ajudam a levantar e até mesmo que colocam sua cabeça no lugar quando for necessário. E foi necessário ter três bons amigos para tirar o melhor que ele podia dar. Sem deixar de falar de Jocelyn, a mocinha da história (literalmente).
Em uma conversa com o antagonista do filme, Conde Adhemar, nosso herói define Jocelyn como a flecha e não como o alvo. Ela foi seu elixir em busca de suas vitórias, e foi a razão de suas derrotas, quando ela pediu para provar seu amor dessa forma. E foi ela mesma quem disse que o amaria mesmo se eles vivessem tão pobres a ponto de ter que comer com porcos. Segundo minha pesquisa, todo mundo consegue com uma ajudinha dos amigos, a não ser que o seu nome seja John Rambo.
E como mentira tem perna curta, William foi descoberto. Adhemar foi atrás dele quando estava indo na casa de seu pai depois de anos e anos sem o encontrar. Ao ser confrontado, o cavaleiro que agora não era mais cavaleiro, tinha duas escolhas: fugir ou se entregar a morte. Sua escolha foi a morte, contrariando seus companheiros. Diz um velho ditado que é melhor um covarde vivo do que um herói morto; Thatcher preferia ser o herói morto, porque não podia deixar de ser quem ele era. Era a sua identidade. É nisso que se diferencia um nobre de verdade de um mero detentor de um título de nobreza. O filme deixa tudo isso bem claro, sutilmente, embora em momento algum tente esfregar na cara do espectador qualquer pregação sobre heroísmo ou nobreza.
Quando estava prestes a morrer, o sucessor ao trono da Inglaterra o redimiu, surpreendendo toda a população que jogava frutas podres em sua cabeça enquanto seus amigos o defendiam, e o nomeou cavaleiro, pois segundo ele, seus historiadores descobriram uma antiga linhagem real em seu passado. Algo que provavelmente não era verdade, mas para um príncipe que viveu uma vida cercada de bajuladores e covardes, a verdade do caráter de Thatcher falava mais alto do que títulos de nobreza ou a ausência deles.
Sua história ainda precisava de um desfecho. A grande batalha estava por vir. A final do campeonato mundial estava entre o Conde Adhemar e William Thatcher. Como seu último golpe, o carrasco utilizou de uma artimanha para ferir William, que teve que ir para a última rodada sem proteção alguma, um caso típico de Gladiador, que o vencia de 2 a 0 graças a trapaça.
William tirou forças de onde não existia, amarrou a lança em seu braço e com toda sua fúria derrubou Adhemar do cavalo, vencendo assim, o campeonato mundial (que estranhamente só tinham competidores europeus). No momento do golpe, William gritou tão alto o seu nome, que há relatos de antigos moradores da região de que ainda escutam seu nome quando a noite está silenciosa… Seu grito estava preso na garganta, era seu maior segredo, quando ele pode dizer em voz alta foi como se um elefante tirasse a pata de seu peito.
Podemos mudar as nossas estrelas? Escolhemos a virtude perigosa dos heróis ou fugimos com a covardia confortável dos vilões? No fim das contas, quem somos, quando todas as farsas e máscaras caem? Tenho pra mim que Michael Corleones e Frank Sheerans da vida diriam que não, não valeu a pena.
Existe um livro antigo (no qual muita gente acredita, mas pouca gente presta atenção) que diz, para todos aqueles que tem fé, que o próprio Rei do Universo os torna filhos dele. É necessário mais do que aparência de nobreza, é necessário ter essência, assim como foi para Thatcher. Existe em nós capacitação para vencer as batalhas sem usar de artifícios e argumentos falsos, pois ele te tornou filho. E se enxergando como filho do Rei, a ótica muda e o que parecia que seria impossível de vencer não passa de uma corriqueira batalha. Batalhas são difíceis e até passíveis de derrota. Mas a guerra já está ganha.
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